quinta-feira, 14 de maio de 2015

Renovação - Os Mensageiros

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Renovação
Desligando-me dos laços Inferiores que me prendiam às atividades
terrestres, elevado entendimento felicitou-me o espírito.
Semelhante libertação, contudo, não se fizera espontânea.
Sabia, no fundo, quanto me custara abandonar a paisagem doméstica,
suportar a incompreensão da esposa e a divergência dos filhos amados.
Guardava a certeza de que amigos espirituais, abnegados e poderosos,
me haviam auxiliado a alma pobre e imperfeita, na grande transição.
Antes, a inquietude relativa à companheira torturava-me incessantemente
o coração; mas, agora, vendo-a profundamente identificada com o segundo
marido, não via recurso outro que procurar diferentes motivos de interesse.
Foi assim que, eminentemente surpreendido, observei minha própria
transformação, no curso dos acontecimentos.
Experimentava o júbilo da descoberta de mim mesmo. Dantes, vivia à
feição do caramujo, segregado na concha, impermeável aos grandiosos espetáculos
da Natureza, rastejando no lodo. Agora, entretanto, convencia-me de
que a dor agira em minha construção mental, à maneira do alvião pesado,
cujos golpes eu não entendera de pronto. O alvião quebrara a concha de
antigas viciações do sentimento. Libertara-me. Expusera-me o organismo
espiritual ao sol da Bondade Infinita. E comecei a ver mais alto, alcançando
longa distância.
Pela primeira vez, cataloguei adversários na categoria de benfeitores.
Comecei a freqüentar, de novo, o ninho da família terrestre, não mais como
senhor do círculo doméstico, mas como operário que ama o trabalho da oficina
que a vida lhe designou. Não mais procurei, na esposa do mundo, a
companheira que não pudera compreender-me e abu a irmã a quem deveria
auxiliar, quanto estivesse em minhas forças. Abstive-me de encarar o segundo
marido como intruso que modificara meus propósitos, para ver apenas o irmão
que necessitava o concurso de minhas experiências. Não voltei a considerar os
filhos propriedade minha e sim companheiros muito caros, aos quais me
competia estender os benefícios do conhecimento novo, amparando-os
espiritualmente na medida de minhas possibilidades.
Compelido a destruir meus castelos de exclusivismo injusto, senti que outro
amor se instalava em minhalma.
Órfão de afetos terrenos e conformado com os desígnios superiores que
me haviam traçado diverso rumo ao destino, comecei a ouvir o apelo profundo
e divino, da Consciência Universal.
Somente agora, percebia quão distanciado vivera das leis sublimes que
regem a evolução das criaturas.
A Natureza recebia-me com transportes de amor. Suas vozes, agora, eram
muito mais altas que as dos meus interesses isolados. Conquistava, pouco a
pouco, o júbilo de escutar-lhe os ensinamentos misteriosos no grande silêncio
das coisas. Os elementos mais simples adquiriam, a meus olhos, extraordinária
significação. A colônia espiritual, que me abrigara generosamente, revelava
novas expressões de indefinível beleza. O rumor das asas de um pássaro, o
sussurro do vento e a luz do Sol pareciam dirigir-se à minhalma, enchendo-me
o pensamento de prodigiosa harmonia.
A vida espiritual, inexprimível e bela, abrira-me os pórticos

resplandecentes. Até então, vivera em “Nosso Lar” como hóspede enfermo de
um palácio brilhante, tão extremamente preocupado comigo mesmo, que me
tornara incapaz de anotar deslumbramentos e maravilhas.
A conversação espiritualizante tornara-se-me indispensável.
Aprazia-me, antigamente, torturar a própria alma com as reminiscências da
Terra. Estimava as narrativas dramáticas de certos companheiros de luta,
lembrando o meu caso pessoal e embriagando-me nas perspectivas de me
agarrar, novamente, à parentela do mundo, valendo-me de laços inferiores.
Mas agora... perdera totalmente a paixão pelos assuntos de ordem menos
digna. As próprias descrições dos enfermos, nas Câmaras de Retificação,
figuravam-se-me desprovidas de maior interesse. Não mais desejava informarme
da procedência dos infelizes, não indagava de suas aventuras nas zonas
mais baixas. Buscava irmãos necessitados. Desejava saber em que lhes
poderia ser útil.
Identificando essa profunda transformação, falou-me Narcisa certo dia:
— André, meu amigo, você vem fazendo a renovação mental. Em tais
períodos, extremas dificuldades espirituais nos assaltam o coração. Lembre-se
da meditação no Evangelho de Jesus. Sei que você experimenta intraduzível
alegria ao contacto da harmonia universal, após o abandono de suas criações
caprichosas, mas reconheço que, ao lado das rosas do júbilo, defrontando os
novos caminhos que se descerram para sua esperança, há espinhos de tédio
nas margens das velhas estradas Inferiores que você vai deixando para trás.
Seu coração é uma taça iluminada aos raios do alvorecer divino, mas vazia dos
sentimentos do mundo, que a encheram por séculos consecutivos.
Não poderia, eu mesmo, formular tão exata definição do meu estado
espiritual.
Narcisa tinha razão. Suprema alegria inundava-me o espírito, ao lado de
incomensurável sensação de tédio, quanto às situações da natureza inferior.
Sentia-me liberto de pesados grilhões, porém, não mais possuia o lar, a
esposa, os filhos amados. Regressava freqüentemente ao círculo doméstico e
aí trabalhava pelo bem de todos, mas sem qualquer estimulo. Minha devotada
amiga acertara. Meu coração era bem um cálice luminoso, porém, vazio. A
definição comovera-me.
Vendo-me as lágrimas silenciosas, Narcisa acentuou:
— Encha sua taça nas águas eternas daquele que é o Doador Divino. Além
disso, André, todos nós somos portadores da planta do Cristo, na terra do
coração. Em períodos como o que você atravessa, há mais facilidade para nos
desenvolvermos com êxito, se soubermos aproveitar as oportunidades.
Enquanto o espírito do homem se engolfa apenas em cálculos e raciocínios, o
Evangelho de Jesus não lhe parece mais que repositório de ensinamentos
comuns; mas, quando se lhe despertam os sentimentos superiores, verifica que
as lições do Mestre têm vida própria e revelam expressões desconhecidas da
sua inteligência, à medida que se esforça na edificação de si mesmo, como
instrumento do Pai. Quando crescemos para o Senhor, seus ensinos crescem
igualmente aos nossos olhos. Vamos fazer o bem, meu caro! Encha seu cálice
com o bálsamo do amor divino. Já que você pressente os raios da alvorada
nova, caminhe confiante para o dia!...
E, conhecendo meu temperamento de homem, amante do serviço
movimentado, acrescentou, generosa:
— Você tem trabalhado bastante aqui nas Câmaras, onde me preparo, por minha vez, considerando o futuro próximo, na carne. Não poderei, portanto,
acompanhá-lo, mas creio deve você aproveitar os novos cursos de serviço,
instalados no Ministério da Comunicação. Muitos companheiros nossos
habilitam-se a prestar concurso na Terra, nos campos visíveis e invisíveis ao
homem, acompanhados, todos eles, por nobres instrutores. Poderia você
conhecer experiências novas, aprender muito e cooperar com excelente ação
individual. Porque não tenta?
Antes que pudesse agradecer o alvitre valioso, Narcisa foi chamada ao
interior das Câmaras, a serviço, deixando-me dominado por esperanças diferentes
de quantas abrigara até então, relativamente às minhas tarefas.

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